DOI: https://doi.org/10.47133/respy42-24-2-1-04
BIBLID: 0251-2483
(2024-2), 59-94
Pastas de Cerâmica Arqueológica e Identidade
Tecnológica
Pastas
de cerámica arqueológica y la identidad tecnológica
Archaeological Ceramic Paste and Technological Identity
Márcia Angelina Alves1
1Universidad de São Paulo, Museo de Arqueología e Etnología, São Paulo,
Brasil.
Wagner Magalhães2
2Universidad de São Paulo, Museo de Arqueología e Etnología, São Paulo,
Brasil.
Melina Pissolato Moreira3
3Universidad de São Paulo, Museo de Arqueología e Etnología, São Paulo,
Brasil.
Correspondencia:
alvesma@usp.br
Articulo
enviado: 21/12/2023 Articulo
aceptado: 27/5/2024 Contribución de los autores: Márcia Alves (investigación, corrección y análisis); Wagner Magalhães (investigación, redacción
y análisis); Melina Pissolato (investigación, redacción y análisis). Conflictos
de Interés: ninguno que declarar. Fuente de
financiamiento: sin fuente de financiamiento. ·
Editor responsable: Mirtha
Alfonso Monges. Itaipu
Binacional, Hernandarias,
Paraguay. ·
Revisor 1: Edher
Herrera. Facultad
de Ciencias Exactas y Naturales, Universidad Nacional de Asunción
(FACEN-UNA), Asunción, Paraguay. ·
Revisor 2: Silvia
Rey. Facultad
de Arquitectura, Diseño y Artes, Universidad Nacional de Asunción (FADA-UNA),
Asunción, Paraguay. Este es un artículo publicado en acceso
abierto bajo una Licencia Creative Commons - Atribución 4.0 Internacional (CC
BY 4.0). |
Resumo: Este artigo apresenta a
relação entre as pastas de cerâmicas arqueológicas e a identidade tecnológica a
partir da análise de seções delgadas de cerâmicas provenientes de sítios
localizados no vale do Paranaíba, Estado de Minas Gerais, Brasil, por meio do
método de Microscopia de Luz Transmitida. A descrição das composições
mineralógica e granulométrica das amostras permitiu a identificação de uma
continuidade tecnológica na técnica de produção da pasta cerâmica, em que não
há a inclusão de tempero, enquanto que as morfologias dos vasilhames e os
tratamentos das superfícies cerâmicas apresentam mudanças a partir do contato
com populações Tupi e a colonização lusitana, e a subsequente tomada de
território do povo Kayapó meridional.
Palavras-chave: pasta; cerâmica;
microscopia; Tecnologia; Arqueologia.
Resumen: Este artículo
presenta la relación entre las pastas de cerámica arqueológica y la identidad
tecnológica a partir de análisis de secciones delgadas de cerámicas
provenientes de sitios arqueológicos situados en valle de lo Paranaíba, Estado
de Minas Gerais, Brasil, por medio del método de la Microscopia de Luz
Transmitida. La descripción de las composiciones mineralógica y textural de las
muestras ha detectado continuidad tecnológica en la técnica de producción de la
pasta cerámica, en que no se adiciona inclusiones no plásticas, mientras la
morfología de las vasijas y los tratamientos de superficie presentan cambios a
partir del contacto con los pueblos Tupí y con la colonización lusitana y la
toma de territorios de los pueblos Kayapó del Sur.
Palabras clave: pasta;
cerámica; microscopía; Tecnología; Arqueología.
Abstract: This article refers to the study of the archaeological ceramics pastes
and the technological identity through Transmitted Light Microscopy analysis of
ceramics thin sections sampling from archaeological sites located in the
Paranaíba valley, state of Minas Gerais, Brazil. The description of the fabric
and mineralogical composition of the samples detected a technological
continuity in the techniques of production of the ceramic paste, which has no
temper added to them, meanwhile the pottery morphology and surface treatments
revealed changes which occurred from the contact with Tupi people, and the
Portuguese colonization and the following seizure of territory occupied by the
Kayapó meridional people.
Keywords: pastes; ceramics; microscopy; Technology; Archaeology.
Introdução
O presente artigo apresenta dados arqueológicos e arqueométricos desenvolvidos
no âmbito do Projeto Quebra Anzol nas duas últimas décadas. Esse projeto,
coordenado por Márcia Angelina Alves e colaboradores do Museu de Arqueologia e
Etnologia (USP), Museu Nacional (UFRJ) e Museu do Índio (UFU), desde 1980, no
Vale do Paranaíba, Triângulo Mineiro (Extremo Oeste de Minas Gerais), região
mesopotâmica formada pelos rios Paranaíba e Grande[1], no bioma do Cerrado, com a realização de pesquisas empíricas
de campo, prospecções e centrado em escavações de sítios a céu aberto.
Em quatro décadas de
pesquisas detectaram-se e escavaram-se sítios de diferentes sistemas
socioculturais, constituídos por: populações caçadoras-coletoras do Holoceno
Médio (7300 anos AP) ao início da Era Cristã (1940 anos AP); assentamentos
ceramistas do povo Kayapó meridional, pertencente ao tronco linguístico
Macro-Jê, do período pré-Colonial (a partir de 1830 anos AP a 400 anos AP) e do
período Colonial (de 353 anos AP a 150 anos AP) (Tabela Nº1).
Os principais
objetivos do Projeto Quebra Anzol referem-se ao estudo da dinâmica
sociocultural da cultura material (lítica e cerâmica) e à elaboração da
história de longa duração (Braudel, 1978) das populações pregressas que
ocuparam o Vale do Paranaíba (Alves, 1982, 1988, 2009; De Barros, 2018;
Denardo, 2018; Fagundes, 2004; Figueiredo, 2008; Magalhães, 2015, 2019;
Medeiros, 2007; Moreira, 2019).
Neste artigo o
problema abordado corresponde à identificação da tecnologia no preparo da pasta
cerâmica, a partir dos elementos naturais e culturais não-plásticos, presentes
nas pastas cerâmicas de cinco sítios arqueológicos, Rezende, Zona 1, Inhazinha,
Zonas 1 e 2, Prado, Menezes e Antinha, relacionados às escolhas das ceramistas[2], e se ocorreram rupturas técnicas na confecção da
pasta já que, com os processos de Contato e Colonização a partir do século
XVIII na região do Vale do Paranaíba, cerâmicas dos sítios Inhazinha, Zona 2, e
Antinha, apresentaram inovações nas técnicas de decoração, como incisões
(Magalhães, 2015, 2019) (Figura Nº10), carimbos (Moreira, 2019) (Figura Nº11),
apliques (Magalhães, 2015, 2019) e pinturas monocromáticas na cor vermelha
(Moreira, 2019), e novas morfologias nos vasilhames cerâmicos, como a introdução
de bases planas (Magalhães, 2015, 2019; Moreira, 2019) (Figuras Nº10 e Nº11),
vasilhames com bases planas e pescoço constrito (Figura Nº11), e a confecção de
cachimbos (Moreira, 2019).
O método empregado
para a análise das pastas cerâmicas é o de microscopia petrográfica de luz
transmitida através da técnica de confecção de seções delgadas de cerâmica
arqueológica, denominadas de “lâminas microscópicas de cerâmica” (Alves, 1982,
1988; Alves & Girardi, 1989) ou “lâminas ceramográficas” (Alves, 2009;
Magalhães, 2015; Moreira, 2019).
A técnica de
microscopia de luz transmitida permite a identificação e descrição dos
elementos não-plásticos, orgânicos e não orgânicos, presentes na cerâmica
arqueológica por meio da descrição e da análise da composição granulométrica e
mineralógica da pasta argilosa, assim como a descrição por percentual dos
minerais presentes na massa cerâmica (relação textural) (Alves, 1988, 2009).
Os objetivos centrais
que orientaram e orientam o emprego desta técnica no âmbito do Projeto Quebra
Anzol são:
-
a detecção dos
elementos não-plásticos contidos nas pastas cerâmicas (Rice, 1987; Shepard,
1976);
-
a identificação da
presença ou ausência de tempero (chamota[3], ossos,
conchas trituradas, folhas de plantas, cariapé, cauixi) nas pastas cerâmicas;
-
a compreensão das
escolhas feitas pela(s) ceramista(s) de acrescentar areia (fina, média ou
grossa) à argila para a confecção dos vasilhames.
A utilização das
lâminas ceramográficas permite responder às seguintes questões:
1.
A composição
mineralógica e granulométrica pode indicar tradições e fases ceramistas (Alves,
1982, 1988, 2009)?
2.
Os minerais presentes
na pasta cerâmica são elementos indicativos de índices de temperatura de queima
e de resistência mecânica (Alves, 1988, 1997; Leite, 1986)?
3.
A composição
mineralógica e granulométrica permite detectar os minerais corantes existentes
na cerâmica (Alves, 1988; Moreira, 2019)?
4.
Os dados interpretados
das lâminas microscópicas associadas às análises sedimentológicas coletadas nas
fontes argilosas próximas aos sítios podem indicar as áreas de captação do
barro (Alves, 2009; Alves; Goulart, Andrade, 2013; Magalhães, 2015, 2019)?
Outra questão
relevante é sobre a queima da cerâmica preta: as ceramistas conseguem controlar
os índices de temperatura de queima associados ao aumento ou redução da
quantidade de oxigênio presente no processo de queima da cerâmica (Delforge,
2017)?
As questões acima
elencadas podem ser abordadas pelos seguintes métodos e técnicas das ciências
exatas:
-
Peneiramento por via
úmida de amostras sedimentológicas de argila associados aos dados interpretados
das lâminas ceramográficas propiciam informações sobre as possíveis áreas de
captação de argila em fontes próximas aos assentamentos (Alves, 2009; Alves,
Goulart, Andrade, 2013; Magalhães, 2015, 2019);
-
a difratometria de
raios X permite identificar a temperatura de queima do vasilhame (Alves, 1988;
Magalhães, 2015, 2019);
-
tanto a fluorescência
de raios X por dispersão de energia (Magalhães, 2015, 2019; Moreira, 2019),
técnica não invasiva, e a microscopia de varredura eletrônica e microanálise
(Alves, 1988; Magalhães, 2015), técnica invasiva, são procedimentos metodológicos
e técnicos empregados na identificação de restos de pigmento nas superfícies
interna e externa da peça cerâmica.
Os principais autores
que fundamentam os estudos arqueométricos de cerâmica são Anna Shepard, (1976),
Evaristo Goulart (2004), Carlos Leite (1986), María Beatriz Cremonte
(1983-1985, 2001; Cremonte e Pereyra Domingorena, 2013), Prudence Rice (1987) e
Owen Rye (1981).
O Projeto Quebra
Anzol escavou oito sítios, sendo que dois, o Rezende e o Inhazinha, são
constituídos por duas zonas arqueológicas distintas cada, configurados como:
Rezende, Zona 1, e Rezende, Zona 2; Inhazinha, Zona 1, e Inhazinha, Zona 2. A
relação das datações absolutas radiocarbônicas (Carbono-14/14C),
Termoluminescência (TL), e Luminescência Opticamente Estimulada (LOE/OSL) dos
sítios pesquisados, assim como a localização geográfica deles, encontram-se na
Tabela Nº1.
Esses dois sítios
arqueológicos são multicomponenciais, ou seja, apresentam estratos
arqueológicos relacionados a períodos e culturas distintas, com camadas
arqueológicas inferiores correspondentes às ocupações de caçadores-coletores do
Brasil Central (Schmitz, Rosa e Bittencourt, 2004) e camadas superiores
relacionadas às ocupações de populações agricultoras-ceramistas dos Kayapó
meridionais[4].
O sítio ATM-691[5], localizado em Tupaciguara, é um sítio
multicomponencial que apresenta três estratos arqueológicos vinculados a
ocupações de populações caçadoras-coletoras, entre três mil e dois mil anos
atrás.
O sítio Casa de
Força, localizado na área de inundação da PCH Piedade, em Monte Alegre de
Minas, é um sítio de caçador-coletor pesquisado no âmbito de contrato por
Edward Koole e Fernando Costa (2006) no ano de 2005. As indústrias líticas
deste sítio estão sob análise do Professor Alex Sandro Alves De Barros (2021),
em seu doutorado, junto ao Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do MAE-USP.
Os outros sítios
escavados, unicomponenciais, são: Prado, Menezes, Rodrigues Furtado, Silva
Serrote, Santa Luzia; outros dois, também unicomponenciais, foram apenas
prospectados: Antinha e Pires de Almeida.
O método empregado
nas escavações do Projeto Quebra Anzol foi o de Superfícies Amplas com a
técnica de Decapagens por Níveis Naturais, elaborado por A. Leroi-Gourhan
(1950; Leroi-Gourhan e Brézillon, 1972) e adaptado para o solo tropical do
Brasil por Luciana Pallestrini (1975, 1983) em suas pesquisas desenvolvidas no
âmbito do Projeto Paranapanema, no vale homônimo, Estado de São Paulo.
Tabela 1. Relação dos sítios arqueológicos pesquisados pelo
Projeto Quebra Anzol com informações sobre Municípios, Coordenadas em UTM, e as
Datações
Município |
Sítio |
UTM (Sirgas 2000)
ou Coordenadas Geográficas |
Datações (anos AP) |
Laboratórios |
Referências Bibliográficos |
Tupaciguara |
ATM-691 |
22K0707399 E/ 7950629 |
2.290 ± 70 AP 14C; 3.240 ± 130 AP 14C |
CENA/USP |
De Barros, 2018 |
Monte Alegre de Minas |
Casa de Força |
22K0704786 E/ 7935349 S |
1940 ± 30 anos AP 14C |
BETA/EUA |
De Barros, 2018 |
Centralina |
Rezende Zona 1 |
22K0687915 E/ 7948863 S |
Estrato
lito-cerâmico 460
± 50 AP TL; 480
± 50 AP TL; 721
± 100 AP TL; Estrato
lítico 2 4.250
± 50 AP 14C; Estrato
lítico 1 4.950 ± 70 AP 14C |
FATEC/SP; GIF/França |
Alves,
1990/1992, 1992a, 1992b, 2000, 2002, 2009, 2013; Alves,
Tatume, Vasconcellos, Costa e Momose, 2002, 2013; Alves
e Fagundes, 2006; Fagundes,
2004; Fagundes,
Alves e Goulart, 2007 |
Rezende Zona 2 |
22K0687630 E/ 7948902 S |
Estrato
lito-cerâmico 630
± 95 AP TL; 830
± 80 AP TL; 1.108
± 166 AP; TL 1.190
± 60 AP 14C; Estrato
lítico 5 3.680
± 100 AP 14C; Estrato
lítico 4 5.540
± 90 AP 14C; 5.620
± 70 AP 14C; Estrato
lítico 3 6.060
± 50 AP 14C; 6.110
± 70 AP 14C; Estrato
lítico 2 6.810
± 100 AP 14C; 6.950
± 80 AP 14C; Estrato
lítico 1 7.110
± 100 AP 14C; 7.110
± 100 AP 14C; 7.300
± 80 AP 14C; 7.320
± 110 AP 14C |
FATEC/SP; CENA/USP |
Alves,
1992a, 1992b, 2000, 2002, 2009, 2013; Alves,
Tatume, Vasconcellos, Costa e Momose, 2002; Alves,
Goulart e Andrade, 2013; Alves
e Fagundes, 2006; Fagundes,
2004; Fagundes,
Alves e Goulart, 2007 |
|
Perdizes |
Inhazinha Zona 1 |
23K 0270344 E/ 7879241 S |
1.095 ± 186 AP TL |
FATEC/SP |
Alves,
1992a, 1992b; Alves,
Tatume, Vasconcellos, Costa e Momose, 2002; Medeiros, 2007; |
Inhazinha Zona 2 |
23K 0262813 E/ 78667728 |
150
± 30 (cal. 80±30 B.P.) AP 14C; 189
± 12 AP TL; 190
± 30 AP 14C; 212
± 19 AP (cal. 149 B.P.) 14C; 245
± 28 AP TL; 263
± 25 AP TL; 278
± 30 AP TL; 363
± 31 AP TL; 903
± 78 AP LOE; 5.203
± 396 AP LOE |
CENA-USP; BETA/EUA; LACIFID-IF-USP; LEGaL-IGC-USP/SP LDDAM-UNIFESP/Santos |
Magalhães, 2015, 2019 |
|
Prado |
23K0264495 E/ 7868094 S |
400 ± 50 AP TL; 493 ± 74 AP TL |
FATEC/SP |
Alves,
1982, 1983/1984, 1988, 1990/1992, 1991, 1992a, 1992b, 1994,1997a, 1997b,
1999, 2000, 2009, 2013; Alves
e Girardi, 1989; Alves,
Tatume, Vasconcellos, Costa e Momose, 2002; Alves,
Goulart e Andrade, 2013; Goulart;
Alves, Zandonadi, Munito, e Paiva, 2005 |
|
Menezes |
23K 0263657 E/ 7853964 S |
572 ± 80 AP TL |
IF-USP/SP |
Alves,
1992a, 1992b, 2009, 2013; Alves,
Tatume, Vasconcellos, Costa e Momose, 2002; Alves,
Goulart e Andrade, 2013; Figueiredo,
2008 |
|
Rodrigues Furtado |
23K0262731 E/ 7866748 S |
500 ± 50 TL; 910 ± 30 AP 14C |
FATEC/SP; BETA/EUA |
Alves,
1992a, 1992b; Alves,
Tatume, Vasconcellos, Costa e Momose, 2002; Medeiros, 2007; Magalhães, 2015; |
|
Antinha |
23K 0287468 E/ 7863400 S |
870 ± 130 AP TL |
FATEC/SP |
Alves,
Tatume, Vasconcellos, Costa e Momose, 2002; Moreira,
2019; |
|
Guimarânia |
Silva Serrote |
23K0315380 E/ 7920186 S |
620 ± 50 AP 14C; 670 ± 50 AP 14C; 790 ± 120 AP
TL |
GIF/França; FATEC/SP |
Alves, 1988, 1990/1992,
1991, 1992a, 1992b, 1994, 1997a; Alves,
Tatume, Vasconcellos, Costa e Momose, 2002; Figueiredo, 2008 |
Pedrinópolis |
Santa Luzia |
23K0234099 O/ 7880998 S |
1830 ± 183 AP TL; 1838 ± 184 AP TL |
IF/USP |
Denardo, 2018 |
Indianópolis |
Pires de Almeida |
19°08’47” S/ 47°31’39” W |
1.074 ± 161 AP TL; 1.130 ± 120 AP TL |
FATEC/SP |
Moreira, 2019 |
Fonte:
Elaboração dos autores
A análise da documentação
arqueológica, até o momento (novembro de 2023), resultou na elaboração de uma
tese de Livre-Docência (Alves, 2009), duas teses de doutorado (Alves, 1988;
Magalhães, 2019), e oito dissertações de mestrado (Alves, 1982; De Barros,
2018; Denardo, 2018; Fagundes, 2004; Figueiredo, 2008; Magalhães, 2015;
Medeiros, 2007; Moreira, 2019); no presente (novembro de 2023), uma tese de
doutorado (De Barros, 2021) e uma dissertação mestrado (Alarsa, 2023) estão
sendo desenvolvidas, todas junto à Universidade de São Paulo.
A região em que o
Projeto Quebra Anzol é desenvolvido foi ocupada pelo povo Kayapó meridional,
pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê, desde o século II da era Cristã,
território que compreendia Norte e Noroeste de São Paulo, Leste do Mato Grosso
do Sul, Sudeste de Mato Grosso, Centro-Sul de Goiás, região do Extremo Oeste de
Minas Gerais (Denardo, 2018). Era um povo agricultor-ceramista que
complementava a subsistência com as atividades de caça, coleta e pesca.
A documentação
cerâmica dos sítios arqueológicos foi estudada pelos métodos arqueométricos
acima mencionados, com ênfase, na execução de seções delgadas (Alves, 1982,
1988, 2009, 2013; Denardo, 2018; Fagundes, 2004; Figueiredo, 2008; Magalhães,
2015, 2019; Medeiros, 2007; Moreira, 2019), associados às análises
arqueométricas: peneiramento por via úmida e outras (Denardo, 2018; Magalhães,
2015, 2019); assim como foram e estão sendo desenvolvidos análises por cadeias
operatórias (Leroi-Gourhan, 1943, 1945, 1964, 1965; Mauss, 1947, 1950) e
sistemas técnicos (Lemonnier, 1976, 1983, 1986, 1992, 2004).
Materiais e Métodos
Do total de 69 lâminas analisadas (Tabela Nº2), este artigo centra-se na análise
mineralógica e granulométrica de sete lâminas, provenientes dos sítios Prado,
Menezes, Rezende, Zona 1, Antinha, e Inhazinha, Zonas 1 e 2 (Tabela Nº3).
Tabela 2. Lâminas ceramográficas confeccionadas para os: Prado,
Menezes, Rezende, Zona 1, Antinha e Inhazinha, Zonas 1 e 2
Sítio |
Zona |
Quantidade |
Referência |
Prado |
- |
16 |
Alves,
1982, 1988, 2009; Alves, Girardi, 1989 |
Menezes |
- |
9 |
Alves,
2009; Figueiredo, 2008 |
Rezende |
1 |
12 |
Alves,
2009; Fagundes, 2004 |
Antinha |
- |
2 |
Moreira,
2019; |
Inhazinha |
1 |
16 |
Magalhães,
2015; Medeiros,
2007 |
Inhazinha |
2 |
14 |
Magalhães,
2015, 2019 |
Total |
|
69 |
|
Fonte:
Elaboração dos autores
As lâminas
ceramográficas do projeto Quebra Anzol foram confeccionadas em quatro
laboratórios diferentes, em sua maioria no Laboratório de Laminação do
Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGC-USP), as outros
foram elaboradas no Laboratório de Paleomagnetismo, do Departamento de
Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP
(IAG-USP), no Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT-SP), e no
Centro Regional de Estudos Arqueológicos da Faculdade de Humanidades e Ciências
Sociais da Universidade Nacional de Jujuy (CREArq-FHyCS-UNJu).
O método de confecção
das lâminas já foi minuciosamente exposto por Goulart (2004) em um artigo.
Abaixo apresentamos as etapas de confecção de forma sumária. A confecção de
seções delgadas/lâminas ceramográficas é um processo parcialmente destrutivo do
material cerâmico.
Inicialmente, deve-se
selecionar dentre os fragmentos cerâmicos as peças que servirão para a
confecção das lâminas ceramográficas. Após a seleção, a peça escolhida sofre um
corte longitudinal, em local sugerido pelo arqueólogo, com o auxílio de uma
máquina de corte abrasiva de precisão, que em sequência, é lixada/polida para
obter a espessura ideal e, por último, impregnada com resina para seu posterior
desbaste. Em sequência, o fragmento é deixado em período de secagem por mais de
24 horas para o endurecimento da resina. Depois do endurecimento da resina, a
amostra é seccionada em direção perpendicular à espessura e colada em uma
lâmina de vidro com resíduo incolor (Goulart, 2004, pp.252-254; Magalhães,
2015, pp.313-315) (Figura Nº1).
Após a confecção da
lâmina ceramográfica ela é encaminhada ao geólogo para a análise mineralógica e
granulométrica por meio do método de Microscopia Petrográfica de Luz
Transmitida[6] (MPLT). Esse procedimento é realizado a partir de um
microscópio óptico petrográfico, as imagens das lâminas são capturadas por meio
do software Leica Application Suite
(Goulart, 2004; Magalhães, 2015, 2019).
As análises por MPLT
detectam a textura e estrutura (descrevem sinteticamente a
composição da pasta, seleção, arredondamento dos grãos) dos elementos
não-plásticos, assim como a granulação (tamanho,
seleção), a composição modal (fragmentos
de minerais e rochas presentes na pasta, elementos não-plásticos), descrição dos minerais e relações texturais
(percentagem de grãos não-plásticos junto a uma base silto-argilosa) (Goulart,
2004).
A escala
granulométrica de Wentworth (1922), adaptada por Suguio (1973) (Figura Nº2) foi
utilizada pelos geólogos Evaristo Pereira Goulart (IPT-SP) e Fábio Ramos Dias
de Andrade (IGC-USP), e por Márcia Angelina Alves (1982, 1988, 2009; Alves
& Girardi, 1989; Alves et al. 2013) para análise da lâminas microscópicas
das cerâmicas do Projeto Quebra Anzol.
Wagner Magalhães
(2015, 2019) utilizou a escala gráfica de Orton e Hughes (2013) para levantar
os índices de porcentagem de inclusão de grãos (5%, 10%, 20%, 30%...), os
índices de classificação para tamanho de inclusões (0,5-1,0mm; 1,0-2,0mm…), e
também a escala de seleção de grãos (muito ruim, ruim, regular, bom, muito bom)
e, por fim, a escala de arredondamento e esfericidade (muito anguloso,
anguloso, sub-anguloso, sub-arredondado, arredondado, bem arredondado).
Resultados
Este artigo apresenta sete lâminas ceramográficas descritas, sendo seis do
período pré-Colonial e uma do período Colonial. As cinco primeiras correspondem
a lâminas dos sítios Prado, Menezes, Rezende, Zona 1, e Antinha; as duas
lâminas restantes são provenientes do sítio Inhazinha, Zonas 1 e 2, uma do
período pré-Colonial e outra do período Colonial (Tabela Nº2).
Tabela 3. Relação das lâminas ceramográficas apresentadas neste
artigo
Período |
Sítio |
Lâmina |
Figura Nº |
Referência |
Período
|
Prado |
P-M6-1D |
3 |
Alves,
2009 |
Menezes |
M-T3 |
4 |
Alves,
2009 |
|
Menezes |
M4 |
5 |
Figueiredo,
2008 |
|
Rezende,
Zona 1 |
R-Z1-T3-M2 |
6 |
Alves,
2009 |
|
Antinha |
A-Sup-P |
7 |
Moreira,
2019 |
|
Inhazinha,
Zona 1 |
IN02489A17 |
8 |
Magalhães,
2015 |
|
Período
Colonial |
Inhazinha,
Zona 2 |
IN13478A4 |
9 |
Magalhães,
2015 |
Fonte:
Elaboração dos autores
As seções delgadas
das lâminas foram apresentadas e descritas primeiramente nos trabalhos de Alves
(1982, 1988, 2009), e, sequencialmente, por seus orientandos em dissertações de
mestrado e teses de doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Arqueologia
do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (Fagundes, 2004; Medeiros, 2007;
Figueiredo, 2008; Magalhães, 2015, 2019; Denardo, 2018 e Moreira, 2019).
As cerâmicas
arqueológicas escolhidas para confecção de lâminas ceramográficas e análise
tecnológica apresentadas neste artigo procedem dos sítios: Prado (Figura Nº3),
Menezes (Figura Nº4 e Figura Nº5), Rezende, Zona 1 (Figura Nº6), Antinha
(Figura Nº7), Inhazinha, Zona 1 (Figura Nº8) e Inhazinha, Zona 2 (Figura Nº9).
Abaixo apresentamos a descrição e análise das lâminas ceramográficas.
Sítio Prado, lâmina P-M6-1D
Pasta argilosa escura
no centro e clara nas bordas com predomínio de grãos angulosos e com seleção
entre ruim e regular (raros grãos maiores de 3mm) com ordem de inclusão entre
20% e 30% entre 0.5 a 3.0mm; presença de quartzito, quartzo, pouca mica, e
possivelmente feldspato. Ausência de tempero. (Alves, 2009, pp.223, 270).
Sítio Menezes, lâmina M-T3
Pasta argilosa escura
com inclusão importante de fração silte (30%), com predomínio de grãos
subarredondados a subangulosos na fração mais grosseira e angulosos a
subangulosos na fração de argila com ordem de inclusão entre 5% e 10% entre
0.5mm a 1.0mm; presença de quartzo, feldspato, mica, e pouco quartzito.
Ausência de tempero. (Alves, 2009, pp.224, 282).
Sítio Menezes, lâmina M4
Pasta fina de argila
de coloração escura, com grãos muito angulosos e mal selecionados (entre 6mm e
0,01mm) com ordem de inclusão entre 10% e 20% entre 0.5mm a 3.0mm; presença de
quartzo, de muscovita e biotita, feldspato e alguns minerais opacos, como o
hidróxido de ferro. Ausência de tempero. A presença de grãos de quartzo nos
fragmentos cerâmicos do sítio Menezes é massiva. Essa lâmina, correspondente à
Mancha 4, os grãos são maiores e a matriz argilosa é menos densa. Ausência de
tempero. (Figueiredo, 2008, pp.120, 122).
Sítio Rezende, Zona 1, lâmina R-Z1-T3-M2
Pasta argilosa clara
e homogênea, com grãos entre arredondado e subarredondado com seleção entre
muito ruim para ruim com ordem de inclusão entre 5% a 10% de 05. a 3.0mm;
presença de quartzo ( um fragmento grande e menores distribuídos pela matriz
junto a material quartzoso>3mm, subarredondado), com fragmentos opacos e
ferruginosos arredondados (predominam entre as frações >#40 e <#325),
contendo inclusão de quartzo, fragmentos de goethita e raros plagioclásios.
fragmentos opacos ferruginosos arredondados, contendo inclusões de quartzo
(arenito com cimento laterítico, ferruginosos), fragmentos de goethita e
plagioclásio (raro).Ausência de tempero. (Alves,
2009, pp.226, 276)
Sítio Antinha, Lâmina A-Sup-P
Pasta argilosa de
matriz clara e textura homogênea, com faixa escura bandada na porção central,
grãos angulosos e subangulosos com seleção ruim a regular, raros fragmentos
entre 1mm a 2mm com ordem de inclusão entre 10% e 20% na ordem de 0.5mm a 1.0mm
presença de grãos de quartzo, turmalina e muscovita, presença de quartzo,
turmalina e muscovita. Ausência de tempero (Moreira, 2019, pp.251, 256-257)
Sítio Inhazinha, Zona 1, lâmina IN02489A17
Pasta argilosa de
grãos finos, clara com porção central enegrecida, de composição heterogênea,
seleção dos grãos ruim a regular com grãos angulosos, com ordem de inclusão em
30% entre 0.5mm a 2.0mm, predomínio de quartzo e quartzito, com a presença
também de biotita e muscovita, com possíveis inclusões de pequenos clastos de
rochas metamórficas (milonito). Presença de gretas; ausência de tempero
(Magalhães, 2015, p.356).
Sítio Inhazinha, Zona 2, lâmina IN13478A4
Pasta argilosa de
grãos finos, clara e com distribuição homogênea, seleção ruim com
arredondamento sub-anguloso com ordem de inclusão entre 10% e 20%, com grãos
entre 0.5 a 2.0mm; predomínio de quartzo, com a presença também de muscovita e
biotita, rara ocorrência de biotita e muscovita, possíveis inclusões de rochas
metamórficas. Presença de gretas, ausência de tempero (Magalhães, 2015, p.334).
Discussão
As sete lâminas apresentadas indicam que todas as pastas argilosas
foram confeccionadas pelas ceramistas Kayapó meridionais com uma única técnica
de preparo do barro, a acordelada,
sem inclusão de tempero, com adição
de areia, média e grossa; há o predomínio de quartzo nas amostras enquanto
mineral predominante, em relação aos outros minerais (goethita, muscovita,
biotita, turmalina, plagioclásio…) e rochas (quartzito e rochas metamórficas)
identificados nas pastas.
A regularidade da composição
da pasta cerâmica, representada pelo predomínio do quartzo como mineral, a não
adição de tempero, a escolha de adicionar areia média e grossa compõem o padrão
do conceito de identidade tecnológica[7] (Cremonte, 2001) da cerâmica Kayapó meridional, de
acordo com o registro arqueológico recuperado por meio das escavações
sistemáticas, pesquisado e analisado pelos integrantes e colaboradores do
Projeto Quebra Anzol.
A continuidade da
regularidade refere-se, também, aos índices de temperatura de queima realizadas
pelas ceramistas Kayapó: no período pré-Colonial, a queima era realizada em
fogueira rasa a céu aberto com uma temperatura acima de 550°C e abaixo de 600°C
para todos os sítios (Alves, 1988; Magalhães, 2015, 2019; Moreira, 2019); o
sítio Silva Serrote, apresentou, também, temperaturas de queima abaixo de 550°C
em alguns poucos fragmentos (Alves, 1988). As temperaturas foram avaliadas por
meio do método de difratometria de raios-X, e os índices de temperatura de
queima foram classificados a partir do estudo experimental feito por Carlos
Leite (1986), no âmbito de um mestrado no Instituto de Física da USP.
As queimas realizadas
nas cerâmicas dos sítios pesquisados foram, predominantemente, redutoras
(Alves, 1982, 1988; Denardo, 2018; Fagundes, 2004; Figueiredo, 2008; Magalhães,
2015; Medeiros, 2007; Moreira, 2019) com exceção do sítio Inhazinha, Zona 2, em
que predominou de queima oxidante (Magalhães, 2015, 2019).
Os atributos
levantados quanto ao tratamento das superfícies cerâmicas constataram que só
foi empregada a técnica de alisamento
nas paredes internas e externas e a não ocorrência de brunidura, engobo branco
e vermelho, banho preto, e nem de pintura vermelha[8]. Estes dados interpretados foram corroborados pelo
método da microscopia eletrônica de varredura e microanálise, as superfícies
avermelhadas encontradas em alguns vasilhames são decorrentes da alta
concentração de óxido de ferro/hematita presente nos solos da região. (Alves,
1982, 1988; Denardo, 2018; Fagundes, 2004; Figueiredo, 2008; Magalhães, 2015;
Medeiros, 2007; Moreira, 2019).
As mudanças ocorridas
na cerâmica coletada pelo Projeto Quebra Anzol referem-se aos períodos
pré-Colonial e Colonial e encontram-se em dois sítios: Antinha e o Inhazinha,
Zona 2.
O sítio Antinha (870
anos AP) apresentou inovações no tratamento das superfícies, com aplicação de
pintura monocromática vermelha diretamente no vasilhame, sem a presença de
engobo, com a adoção de apliques e de bases planas (Moreira, 2019). Essas
mudanças ocorridas no sítio Antinha referem-se ao período pré-Colonial
resultantes de contatos dos Kayapó, habitantes tradicionais da região do
Triângulo Mineiro, com populações Tupi[9], decorrentes de trocas intertribais (CEMIG, 1995;
Moreira, 2019).
No sítio Inhazinha,
Zona 2 (363 anos AP a 150 anos AP), a queima da cerâmica passa a ser processada
em fornos escavados no chão com chaminé em forma de orifícios de barro; a
confecção das bases dos vasilhames se altera para somente bases planas; e com
inovações nos tratamentos de superfície: a aplicação de incisões[10], apliques e de pintura vermelha sobre as superfícies
dos vasilhames sem a presença de engobo (Magalhães, 2015) (Figura Nº10).
Outra mudança do
Período pré-Colonial para o Período Colonial é a adoção e uso de carimbos na decoração da cerâmica. O
vasilhame apresentado na Figura Nº11 apresenta duas fileiras de carimbos, uma
um pouco acima da base plana, com cinco marcas de carimbo, e outra pouco abaixo
da borda, com nove marcas de carimbo. Essa peça, doada para o Museu Municipal
de Arqueologia de Perdizes, apresenta técnica acordelada de confecção e foi
datada por Termoluminescência (FATEC/SP) em 180±20 anos AP (final do século
XVIII/início do século XIX), coincidente com o período final de ocupação pelos
Kayapó meridionais no Triângulo Mineiro (Giraldin, 1997; Magalhães, 2019;
Moreira, 2019).
Considerações Finais
Apesar das inovações ocorridas nos tratamentos de superfícies, a
tecnologia de preparo da pasta persistiu. Esse fato representa uma continuidade técnica, na tradição
ceramista das Kayapó meridionais, apesar dos processos de contato ocorridos,
primeiro com as populações Tupi, no período pré-Colonial e Colonial; as
técnicas persistem, também, durante o processo de contatos e conflitos com as
populações europeias e colonizadoras quando, a partir de fins do século XVII,
ocorre a expansão para o interior do Brasil em busca das minas de ouro dos
Goyases e as minas de diamante de Cuiabá (Lourenço, 2005, 2010; Magalhães,
2019; Mori, 2010; Moreira, 2009).
Esse processo de
expansão colonial ultrapassou os limites do Tratado de Tordesilhas (1494); os
limites fronteiriços do poderio das Coroas lusitana e espanhola foram
redefinidos pelo Tratado de Madrid (1750) e reafirmados pelo Tratado de Santo
Idelfonso (1777) (CEMIG, 1995; Lourenço, 2005, 2010; Mori , 2010).
Uma das mudanças
culturais/inovações, relaciona-se à
queima da cerâmica. No Período pré-Colonial, a queima era realizada em
fogueiras rasas; no Período Colonial a queima passou a ser realizada em fornos
escavados (Figura Nº12), com chaminés e crivos (orifícios), compostos por uma
mistura de barro com cupinzeiro. Essa alteração do modo de realizar a queima
implicou na mudança de ambiente da queima, anteriormente à céu aberto em que
ocorria o processo de uma queima redutora, para ambientes de fornos, em que há
o predomínio de queima oxidante (Magalhães, 2015).
A mudança na maneira
de queimar os vasilhames cerâmicos (de fogueira rasa a forno escavado) não
implicou na alteração dos índices da temperatura de queima no sítio Inhazinha,
Zona 2; foram mantidos os índices de queima em torno de 550°C (Magalhães, 2015,
2019).
Outras
mudanças/inovações presentes são a adoção de incisões e apliques em forma alça,
no sítio Inhazinha, Zona 2 (Figura Nº10), e ocorrência de apliques também no
sítio Antinha; a aplicação de pintura monocromática na cor vermelha, sem
engobo, em fragmentos cerâmicos nos sítios Inhazinha, Zona 2, e no sítio
Antinha (Magalhães, 2015; Moreira, 2019).
A continuidade
cultural é indicada pelos seguintes traços: não emprego de tempero nas pastas
cerâmicas, a colocação de areia, predominantemente média e grossa, na pasta
argilosa das cerâmicas (Figuras Nº3, Nº4, Nº5, Nº6, Nº7, Nº8 e Nº9). As
ceramistas do sítio Menezes escolheram adicionar areia grossa e cascalho à
pasta de sua produção cerâmica (Alves, 2009; Figueiredo, 2008) (Figura Nº13) e
como um critério de identidade
tecnológica (Cremonte, 2001; Lemonnier, 2004).
As mudanças
registradas na cerâmica do Período Colonial ocorreram na morfologia/forma dos
vasilhames, nos tratamentos das superfícies, interna e externa, com incisões,
pintura monocromática na cor vermelha, aplicação de carimbos, e na técnica de
queimar a cerâmica em fornos escavados (Magalhães,
2015).
Entretanto, há uma
continuidade técnica milenar na preparação das pastas cerâmicas, que é
indicativa de uma identidade tecnológica (Cremonte,
2001; Lemonnier, 2004).
Este artigo –
centrado na confecção de seções delgadas de cerâmicas arqueológicas, analisadas
pelo método de microscopia petrográfica de luz transmitida – evidenciou a
técnica de manufatura da pasta cerâmica e sua continuidade em um ambiente de
mudanças socioculturais, o que permitiu identificar a identidade tecnológica da
cerâmica Kayapó meridional.
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Sobre los autores: Márcia Angelina Alves: Profesora Senior del MAE-USP.
Tiene licenciatura en Historia por la Universidad Federal de Minas Gerais
(1971), maestría en Historia Social por la Universidad de São Paulo (1983),
doctorado en Ciencias Humanas por la Universidad de São Paulo (1988) y libre
docencia en Arqueología Brasileña por el Museo de Arqueología y Etnología de
la Universidad de São Paulo (2010). Docente Asociada de la Universidad de São
Paulo, asignada al Museo de Arqueología y Etnología desde abril de 1985. Wagner Magalhães: Arqueólogo, actualmente desarrolla
una investigación de Postdoctorado en el LAAAE (Laboratorio de Arqueología y
Antropología Ambiental y Evolutiva, MAE-USP). Doctor en Arqueología Brasileña
por el Museo de Arqueología y Etnología de la Universidad de São Paulo
(MAE-USP) (2019), Máster en Arqueología Brasileña por el MAE/USP (2015),
Especialista en Historia y Sociedad por la UNISA y graduado en Agronomía por
la FIC (2005), posee además MBA Ejecutivo en Gestión Ambiental por la FIC,
además de especializaciones en las áreas de Fitopatología (UFV) y
Agroecología (Berkeley University). Melina Pissolato Moreira: Arqueóloga en la empresa Zanettini
Arqueología. Licenciada en Historia por la Facultad de Filosofía, Letras y
Ciencias Humanas de la Universidad de São Paulo - FFLCH/USP (2016). Máster en
Arqueología Brasileña por el Museo de Arqueología y Etnología de la
Universidad de São Paulo - MAE/USP (2019). |
[1]A confluência destes dois rios, no pontal do Triângulo
Mineiro, é o que dá origem ao Rio Paraná.
[2]Tradicionalmente, a produção de cerâmica é uma
atividade feminina em povos indígenas (Campos, 2007; Vidal, 2022).
[3] Caco de
cerâmica moído.
[4] No período
Imperial do Brasil, tanto o Joanino quanto o de Pedro II, vários viajantes
naturalistas percorreram regiões do Brasil. Dentre eles, alguns percorreram o
território imemorial ocupado pelos Kayapó meridionais: Eschwege (1996),
Saint-Hilaire (1975), D’Alincourt (1954) e Pohl (1976), o território Kayapó foi
delineado no Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendajú de 1981.
[5] O sítio
localiza-se na área do Projeto Quebra Anzol; foi escavado em três campanhas de
escavação, junho de 1994, março de 1995 e novembro de 1995 sob a dupla
coordenação da Profª. Drª Márcia Angelina Alves e da Profª. Drª. Maria Cristina
Mineiro Scatamacchia. As escavações nele desenvolvidas resultaram de um projeto
de salvamento arqueológico desenvolvido na faixa de implantação do poliduto
REPLAN-Brasília, decorrente de um convênio firmado entre a PETROBRAS e o Museu
de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, coordenado pela Profª.
Drª. Maria Cristina Mineiro Scatamacchia.
[6] Os
pesquisadores que analisaram as lâminas ceramográficas foram: Evaristo Pereira
Goulart (IPT-SP), Gergely Andres Julio Szabó (IGC-USP), Fábio Ramos Dias de
Andrade (IGC-USP), Vicente Antonio Vitório Girardi (IGC-USP) e Wagner Magalhães
sob a orientação de Maria Beatriz Cremonte (Instituto de Ecorregiones Andinas,
Universidad Nacional de Jujuy -INECOA-UNJ).
[7]Conforme
Cremonte (2001), para a cerâmica, nós
podemos
considerar que algunos indicadores que reflejen diferencias entre entidades
sociales de una misma región, pueden buscarse en ciertos aspectos tradicionales
de manufactura por ser más resistentes al cambio (Rice 1987) al no interferir
con la incorporación de nuevas pautas formales e iconográficas. Es en este
sentido que los estudios composicionales de las pastas cerámicas pueden ser un
aporte a los estudios de identidad. (pp.207-208)
A
autora, para as cerâmicas da região de Quebrada de Humahuaca considera que “la
perduración de variables tecnológicas de manufactura, referidos a la selección
de determinadas materias primas, procedimiento de cocción, tratamiento y
acabado de las superficies [...] son comportamientos tradicionales que también
contribuyen a la construcción de una identidad” (Cremonte, 2001, p.208). O
conceito de identidade “en
arqueología nos refiere a la búsqueda e interpretación de patrones de
diferenciación para lo cual se requieren análisis contextuales del registro
arqueológico”. (Cremonte, 2009, p.208)
[8]Com exceção
dos sítios arqueológicos Antinha e Inhazinha, Zona 2, onde os pesquisadores
identificaram pintura vermelha, sem engobo (Magalhães, 2015, 2019; Moreira,
2019).
[9] A expansão de populações Tupi atingiu o Vale do rio
Quebra Anzol no período pré-Colonial (CEMIG, 1995).
[10] Magalhães (2015) em seu estudo de mestrado sugere que
as incisões, constituída por três linhas paralelas entre si e inclinadas e
paralelas às bordas dos vasilhames, foi um motivo adotado no Período Colonial
frente ao processo expansionista e violento da colonização portuguesa, em suas
diversas frentes, para a região em apreço, e representam um símbolo de identidade étnica.